sábado, 23 de julho de 2011

Velha Faca

Um palmo e pico de aço,
rude e glorioso pedaço
da espada de um general.
Cabo de prata estrangeira
- velha faca brigadeira
que nunca me deixou mal.

Nesse tempo eu era moço,
não tinha o sangue tão grosso
nem a memória tão fraca.
Índio gaudério sem marca
era maior que um monarca
quando empunhava essa faca.

Mas não era compra-briga,
desses que enchem a barriga
em bochinchos de galpão.
Mui amigo do sossego
não arriscava o pelego
em "rolos" sem precisão.

Mas quando lá volta e meia
me entreverava em peleia
por honra ou obrigação,
afrontava qualquer risco
e essa faca era um corisco
brigando na minha mão.

Sei que há quem ria disso:
- a faca tinha feitiço,
coisa botada, sei lá!
Se escapava da bainha
e ia brigar sozinha
se eu deixasse ela brigar!

Mas Dom Tempo barbaçudo
que dá sumiço em tudo,
coisa viva e coisa morta,
foi-se chegando ronceiro,
cruzou sem pressa o terreiro,
passou depois pela porta.

Quantas vezes já nem lembro,
vi enfeitar-se setembro
com as flores roxas do ipé.
Do moço de antigamente
resta este trapo de gente
que mal e mal fica em pé...

E a velha faca amigaça
me acompanhou na desgraça,
me aparceirou na miséria.
- Extraviada da bainha,
ainda lá pela cozinha
nas mãos da negra Quitéria.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Musica TERRA SAUDADE

Esta musica simboliza a terra de Cruz Alta - RS.


No alto da serra um dia
Uma alta cruz foi plantada
Junto a capela fundada
Pelos nossos ancestrais

E no chão cheio de vida
Nasceu uma terra querida
Cruz alta dos trigais

Quem bebe a água da fonte
Carrega a cruz da paixão
Esse é o pealo derradeiro
Pera aquecer nesse chão

Cruz Alta da Panelinha
Tem dita fonte encantada
Quem bebe aqui faz morada
Eu que em teu seio nasci

Vou mergulhar em tuas águas
Para afogar minhas mágoas
Por estar longe de ti

A minha infância gaudéria
Entre teus campos dourados
Em meio a bois e arados
Que tristeza já passou

Hoje as picadas no mato
São corredores de asfalto
Que o progresso te legou

quinta-feira, 7 de julho de 2011

A Lenda da Panelinha de Cruz Alta

A Lenda da Panelinha é a mais tradicional da cidade. Remonta a época em que os primeiros  moradores estabeleceram-se em Cruz Alta, lá pelos idos de 1805, formando um pequeno amontoado de casas onde hoje é a Praça Erico Verissimo. Ali próximo, havia uma mata chamada de Capoeira, onde era extraída a madeira para lenha e para as construções. Na direção oposta, onde hoje forma-se a esquina da João Manoel com a Venâncio Aires, havia uma nascente para o abastecimento do vilarejo, chamada de arroio Panelinha. Sua segunda vertente desemboca na esquina da Gal. Portinho com a Andrade Neves.
    Nesta segunda vertente, a água límpida e abundante jorrava como uma cachoeira. Era onde as lavadeiras batiam a roupa.
Seguidamente, apareciam tropeiros, que paravam por ali para saciar a sede. Eventualmente, muitos desses viajantes engraçavam-se com as mulheres locais, e, na maioria dos casos, acabavam retornando, geralmente para casar-se com a moça e fixar residência por aqui. E nessas idas e vindas, o imaginário popular acabou por enraizar o entendimento de que, todo aquele que bebia a água da Panelinha, acabava, inevitavelmente, voltando para Cruz Alta.
   A fama do local acabou servindo de prato cheio para alimentar a esperança das moçoilas casamenteiras, que, quando atingiam a "idade de casar", tratavam de levar o pretendente para beber a água da Panelinha. Assim eles retornariam e firmariam o casório.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Poesia DE MATUNGOS E GAITAÇOS

De matungos e gaitaços, me fiz peão por destino.
Que outra sorte um campesino pode cobrar desta vida,
Se os pobres nascem pra lida e a mim tocou ser campeiro?
Desde guri cavaleiro, domador por profissão.
Por lambuja do patrão coma graça de ser gaiteiro.

Voando em baguais e potros, pernas firmes sem esporas,
Num galope campo fora, o pasto é o céu esverdeado.
Me vou de chapéu tapeado, contando com Deus e a sorte,
Não tenho medo da morte, mas nunca afrouxo o garrão
Pra lidar com redomão, olho aberto e braço forte.

Por respeitar as crendices, não enfreno na lua nova.
Certa feita eu tive a prova de um mouro que deu babão,
De natureza, quebralhão, se aporreou por ser malino.
Tinha a marca do destino, me palpitou na pegada,
Bagual da venta rasgada não nasce pro pasto fino.

E quando as noites se amansam nas luas cheias do outono,
Nem se mexe o cinamomo prá escutar canto e cordeona,
Uma polquita chorona, num trotesito chasqueiro,
Embala a luz do candeeiro anomando as sombras mortas,
E o fole rouco se entorta num compasso galponeiro.

Não raro o sono se arisca e a solidão me acompanha.
Golpeio um trago de canha e enquanto a noite se alonga,
Vou repontando milongas das hileiras assoleadas,
E as rudes mãos calejadas de mango, rédeas e crinas
Vão se parando franzinas no acorde das madrugadas.

Primeiro, o canto dos galos, depois a barra do dia.
A boieira, estrela guia, aos poucos vai se apagando,
Do pampa se levantando, nessas auroras serenas
Brotam xucras cantilenas no clarim da passarada
Com relinchos da potrada e o guizo, das nazarenas.

Rodadas, não tive muitas, em domas, se roda pouco,
Mas “hai” sempre um potro louco, velhaqueador, caborteiro,
Que o índio por mais ligeiro, não se afirma nos arreios
Às vezes, um tombo feio, às vezes saio parado.
Po isso evito alambrado e o pelado dos rodeios.

Pelos surungos do povo, tocando gaita em bolichos,
Vez por outra algum cambicho reacende o sonho de um rancho,
Mas o destino carancho me acorda num sofrenaço
E aos corcovos e laçaços, sempre lidando sozinho
Volto a trilhar os caminhos de Matungos e Gaitaços.